Um bicho salta das palavras, derrama seus mistérios em voz sucinta, metamorfoseia-se em línguas outras, faz-se gravura e volta ao habitat, ciente do roteiro cumprido. Surge novo bicho, mais outro, outro mais... e um híbrido bestiário pós-moderno se desenha ante nossos olhos, brasileiro, internacional, repleto de signos e senhas, convidando-nos ao passeio caleidoscópico entre asas, escamas, patas e pêlos. Presos nos gradis da vida, estamos nós a vê-los, enquanto eles, livres, desfilam, desafiam e se despedem. Eles são dez. Nós, muitos, multiplicados ainda mais pelo verbo que se faz verso em versões. Eles, todavia, possuem voz e imagem. Nós, quiçá tenhamos ouvidos e olhos para percebê-los.
Eis a ordem do desfile:
Beija-flor, ainda mais delicado nas vestes do hai-kai, sabe-se metáfora e esparge sobre nós vôos desejados.
Bode, humanamente, se debruça no espelho da mitologia e se vê fauno sedutor.
O cavalo, leitor de Quintana, põe em pauta a beleza e o poeta, num jogo de vice-versa, em que uma carta outrora lida motiva verso e conversa.
Jacaré tem palavra mais longa, como o desenho de seu corpo no mapa-múndi ancestral. Mas permanece no segredo de quem sabe nadar de costas em rio que tem piranha.
» Hernâni Donato
Hernâni Donato já foi chamado de "o homem dos sete instrumentos". Isto porque, aos 89 anos de idade, membro da Academia Paulista de Letras, é autor de mais de 70 livros, nos mais variados campos da atividade humana, indo da literatura infanto-juvenil à biografia, da historiografia aos costumes, da pesquisa à divulgação científica. Entre as numerosas traduções que realizou, destaca-se a da "Divina Comédia", de Dante Alighieri, em prosa e para divulgação entre o povo. Mas foi no romance que se deu a perfeita combinação do observador minucioso, na linha do cientista social, com o escritor de estilo claro e elegante. É o autor de "Selva Trágica", "Chão Bruto", "Rio do Tempo", "O Caçador de Esmeraldas" e "Filhos do Destino", sucessos editoriais nas décadas de 1950 e 60. Alguns críticos, como Abdias Lima (“Correio do Ceará”, 2/2/1977, Fortaleza, CE), aproximaram Hernâni Donato de Erskine Caldwell e John Steinbeck, a geração norte-americana da revolta, o Caldwell de "Chão Trágico" e o Steinbeck de "As Vinhas da Ira".
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