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Obras Selvagens

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Lendas e fábulas do Brasil
Página publicada em: 17/04/2021
Ruth Guimarães / Peço: R$30,00 (216 pág)
R$ 30,00
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Resultado da pesquisa de toda uma vida, realizada pela autora no campo a um tempo vasto e emaranhado das narrativas, lendas e tradições dos habitantes das pequenas cidades, vilas e vilarejos do Vale do Rio Paraíba do Sul, onde nasceu e cresceu a autora Ruth Guimarães, e, depois, já como acadêmica da Universidade de São Paulo (USP), onde se especializou em Folclore, este livro é um repositório dos mais interessantes e representativos do riquíssimo imaginário popular brasileiro, que, em certos momentos, se cruza com o imaginário universal. A seguir, a breve Introdução da obra, escrita pela autora.
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Disseram-me que eu devia explicar, rapidamente, num bate-papo ameno, o critério de seleção destes contos. Em primeiro lugar, não houve preocupação sentimental nem pedagógica. Aliás, o primeiro contato, completamente irracional com os textos, foi juntar o material, recolhendo-o despreocupadamente na fonte, isto é, entre o povo, assim como quem recolhia ouro, no tempo em que o havia.
Parece-me necessário observar que a maioria das histórias são variantes de contos recolhidos também na tradição oral e belamente recontados por Grimm, por Andersen, por Perrault, que, há um século, já sabiam o que convinha à criança. O que inspira bons pensamentos ao imaturo, ao simples, ao rústico, inspirará bons pensamentos à criança. A maioria dos contos tradicionais do Brasil é de procedência europeia, veio através dos racontos orais do português descobridor e colonizador. Temos, porém, ainda, as lendas ameríndias e as africanas.
As lendas indígenas, primeiramente as que colheram os viajantes estrangeiros, Baldus, Hart, e outros, e depois bem mais tarde, os nacionais, Sílvio Romero, Barbosa Rodrigues, Afonso Arinos, Basílio Magalhães, J. Silva Campos.
As africanas são mais raras, algumas simples variantes que o negro introduziu em histórias europeias. Muitos contos dos bantos, nagôs e jejes, são histórias europeias, recontadas pelos negros que lhes imprimiram sua rude singeleza.
Tratando-se de contos tradicionais brasileiros, não comparecem fadas, nem as ninfas, líricos duendes de outros povos. Mas vamos conviver numa sociedade fantástica de que fazem parte o Caipora, o Saci, o Quimbungo, o Bicho Comunjarim, o Negrinho do Pastoreio, a Mãe-de-Ouro, o Caboclo-d’água.
Minto. Temos uma fada sim. Nossa Senhora, a doce e suave protetora dos desvalidos, sempre aparecendo na figura de uma velhinha corcovada, rezadeira.
Esse será o primeiro critério: a coisa comprovadamente nossa. E, para que se possa responder pela pureza da colheita, mister foi buscá-la no meio rural, nas cidades pequenas, entre gente analfabeta, que jamais leu um livro, que jamais ouviu falar de livro, a não ser da Sagrada Escritura e do Livro de São Cipriano e (isto existe sim) que jamais ouviu um programa de rádio: Dona Maria de seu Oliveira, remendona, que costurava na máquina de mão, contando casos ao compasso de um barulho assim: jeng-jeng, jeng-jeng, jeng-jeng; “sêo” Pedro Santeiro, fazedor de poços e não de santos; “Sêo Leopordo-vam-entrá-de-acordo” que, chamado pelo apelido, desanda num chorrilho de palavrões; e Mané Borges, pescador, e Nhô do Rafaé, sitiante; Siá Ma¬rica, uma velha cega, costureira de carregação e doceira nas horas vagas, no tempo em que enxergava; Siá Liduvina, que fazia uma fogueirinha de cavaco na calçada e ficava aquentando fogo e contando lérias, em Cachoeira Paulista, na Rua de Baixo, aliás Rua do Sapo, aliás do Mercado, aliás da Caçamba, aliás do Cascudo; na placa está escrito: Rua Prudente de Moraes.
O segundo critério, que presidiu a divisão e o arranjo, foi a variedade, bem ampla, e o agrupamento por gêneros. Primeiro, história maravilhosa; segundo, contos de exemplo, alguns altamente morais, e os outros nem por isso; terceiro, mitos nacionais, e, quarto, histórias de bicho.
Assim, vamos resumir os arranjos em dois planos:
a) histórias maravilhosas
    lendas, fábulas
    contos de exemplo
b) histórias de procedência europeia
    histórias de procedência ameríndia
    histórias de procedência africana
Estamos todos entendidos, já se contentou a verdade, já se tomou a bênção da Pedagogia, já se deu a devida satisfação à ciência folclórica, e agora vamos a mais uma divisão, esta altamente racional.
Tudo que está contado nestas mais ou menos cem páginas poderemos grupar assim:
• causos de mutirão
• causos de acochar fumo
• causos de pessegada e goiabada
• causos de noites-de-São-Pedro-e-São-João
• e causos de quentar-fogo-de-noite-na-rua-de-Baixo
Nas histórias de mutirão, em que a festa é de dia, barulhenta, com o pessoal puxando enxada no eito, cortando lenha, fazendo roçado, os contos são rápidos, alegres, maliciosos. Contos de empulhar, casos de Malazartes, do João Soldado que era, além de espertalhão, valente.
Nas histórias de acochar fumo, que ajudam a tocar o trabalho menos lúdico que o do mutirão, mas tendo a tarefa demarcada, comparecem as assombrações. Ou então contam-se as lendas de São Pedro e Jesus Cristo, de pecadores arrependidos, de inferno; o clima é do sobrena-tural, embora não faltem por vezes desfechos explosivos e engraçados.
Histórias de pessegada e goiabada também são contos para suavizar as agruras do trabalho áspero, quando se ajunta a mulherada das fazendas para fazer doces. Começam as histórias na hora do descascar das frutas, serviço de paciência, e terminam depois das tachadas prontas, com os doces apurados, despejados nas caixetas e nas pedras-mármores, para cortar. Os braços das doceiras estão pintados de queimaduras de calda grossa e da massa puladeira. Cada tacho é um caldeirão do inferno. Então as histórias são os contos de exemplos, curtos também, contendo ensinamentos, receitas de bem-viver, mandamentos, casos de castigo e de prêmios.
Mas, histórias gostosas são as das noites de São Pedro e São João. Junto às fogueiras, ninguém é solicitado por tarefa alguma. É só ficar de mão no queixo, sentado em cima das toras, escutando. O círculo das caras atentas arde ao calor das chamas. Todos se voltam para o narrador, num tropismo original.
Não é que o tempo esteja sobrando, não é isso. Em verdade não existe mais o tempo. Acabou-se o seu império sobre os homens. Não se cuida nem da hora, nem do correr dos instantes. O tempo é o fluir da história. Tempo e espaço se contam na vida dos príncipes, das princesas, do seu povo encantado.
Lembro-me que, certa vez, ao contar a história do Pequeno Polegar e de suas botas de sete léguas, um dos meus filhos mais novinhos não conseguia entender o como de se transportar de um lugar para o outro, em um momento, apenas dando passadas largas. Para começar, nem sabia o que era légua.
— Légua — disse eu — é uma distância como daqui na Bocaininha.
— Ora! Cinco minutos de carro.
— ... a pé. — disse eu.
— Mas o Pequeno Polegar ia assim — e estalou dois dedos para ilustrar.
— É — disse eu.
— É o que? Ainda não entendi.
O mais velho, do alto de sua experiência de sete anos, veio em meu socorro, com um esclarecimento:
— Você não vê que ele tinha um jato?
— Ah!
E nenhuma pergunta mais foi feita. Nem quando, no espelho mágico, a princesa via todas as coisas que aconteciam no mundo: no céu, na terra e no mar; porque eles concluíram com a maior indiferença:
— Era a televisão dela.
Um dos pequenos deu voz a uma dúvida que acabou de desmoralizar o milagre dos objetos mágicos:
— Colorida?
Estão vendo como a bota de sete léguas perdeu para o avião a jato; o espelho mágico não suporta o confronto com o vídeo.
Voz de pessoa invisível alcançar a lua, andar pelo fundo dos mares, tudo são antigos sonhos humanos, ultrapassados pelas invenções.
Tudo isso no que tange às questões materiais da informática. No espírito de cada um, a realidade é outra. Ainda precisamos dos velhos contos para atingir o mistério: o dos contos maravilhosos.
Por uma questão de ordem, o andamento do trabalho ficou mesmo nesse pé:
1) Contos Negros
2) Contos Ameríndios
3) Contos Europeus, estes últimos com divisões
Não vamos misturar os gêneros, pensei comigo ao selecionar os contos europeus, vindos a nós por via lusa.
Desta vez, só os de encantamento, um ou outro miraculoso, que a pobre humanidade anda bem precisada de encanto e de milagres.
Os contos de encantamento têm duas vertentes: uma é o ato encantatório, diegético, isto é, dentro da história, quando o agente sobrenatural faz as metamorfoses e concede as benesses. Outra é trazer o êxtase, o enlevo, para dentro das almas, porque transporta o ouvinte para um país mágico, em que o maravilhoso acontece.
Essas acontecências miraculosas são simbólicas. Encobrem os desejos, as indagações, e trazem soluções também encobertas pelo símbolo. Os contos de encantamento obram, pois, outras maravilhas: sonhos do homem acordado, são também o aflorar do subconsciente, esse laboratório de alquimia da alma, onde cada um resolve os mistérios da sua própria vida. O viver continua encantado e miraculoso. E enigmá¬tico. E desconhecido. Contando às crianças os contos encantados, nós as ajudaremos a solver os seus mistérios, sem choques e sem ansiedades.
Ouvindo essas histórias de contar à noite, as crianças dormirão no embalo dos cavalos alados, de prinspos e prinspas, do papagaio que virou gente, de madrinhas que transformam abóboras em carruagens. Trata-se de restos de ilusões do homem que, nesta era tecnológica e maquinal, no seu sentido mais terrível, maquinático e maquinâmico, perdeu a fantasia e a capacidade de criar novos desejos. Elas vêm lentas, sutis, no sutil da noite maravilhosa.
Transportam-nos para um outro mundo, habitado por duendes e fantasmas, por espíritos bons, pelos Malazartes e bichos que falam, moças bonitas casadas com o rei dos peixes e com a onça grande de pelo fulvo, árvores que ajudam os viventes, jabutis que vão à festa do céu. Não há Lei. Não há tempo. Coisa linda de se ouvir e de se viver. A empatia é tanta, que estamos tão do lado de lá quanto Alice no país dos Espelhos. Dá pena haver crianças que nunca ouviram casos narrados assim.
A ancianeidade das histórias fala-nos de aceitação popular completa. E vêm de longe mas adotadas e adaptadas são brasileiras, genuínas e espontâneas. Correm por aí (ainda, mas talvez não por muito tempo). Cumpriram e cumprem a contento a alta função principal das histórias: a de entreter.
E através do entretenimento, realizam, certamente, esta coisa extraordinária: predispõem-nos ao amor do Bem, do Belo e do que é Nosso.
E ensinam através do símbolo a discernir o certo e o errado.
É muito.
Mais não lhe poderemos pedir.
  
 R. G.
 
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Autores Selvagens

Autor

» Hernâni Donato

Hernâni Donato já foi chamado de "o homem dos sete instrumentos". Isto porque, aos 89 anos de idade, membro da Academia Paulista de Letras, é autor de mais de 70 livros, nos mais variados campos da atividade humana, indo da literatura infanto-juvenil à biografia, da historiografia aos costumes, da pesquisa à divulgação científica. Entre as numerosas traduções que realizou, destaca-se a da "Divina Comédia", de Dante Alighieri, em prosa e para divulgação entre o povo. Mas foi no romance que se deu a perfeita combinação do observador minucioso, na linha do cientista social, com o escritor de estilo claro e elegante. É o autor de "Selva Trágica", "Chão Bruto", "Rio do Tempo", "O Caçador de Esmeraldas" e "Filhos do Destino", sucessos editoriais nas décadas de 1950 e 60. Alguns críticos, como Abdias Lima (“Correio do Ceará”, 2/2/1977, Fortaleza, CE), aproximaram Hernâni Donato de Erskine Caldwell e John Steinbeck, a geração norte-americana da revolta, o Caldwell de "Chão Trágico" e o Steinbeck de "As Vinhas da Ira".

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