Três romances e três autores brasileiros, e a certeza de que esse gênero literário, ao contrário do que já se vaticinou tantas vezes, "está mais vivo do que nunca".
O romance, como o gênero literário que hoje conhecemos, surgiu com a burguesia. Com ele surge, também, a predominância da prosa sobre o verso e seu conceito abarca quase todos os outros gêneros. O grande nome desse novo gênero literário é Honoré de Balzac.
Segundo Carpeaux, antes de Balzac, falar em “romance” era falar em uma história extraordinária, “romanesca”, fora do comum; depois de Balzac, o texto de um romance passa a ser o espelho do nosso mundo, dos nossos países, das nossas cidades e ruas, das nossas casas, dos dramas que se passam em apartamentos e quartos como de nós outros.
Balzac faleceu em 1850.
De lá para cá muita coisa mais mudou. Mudanças mais de forma, que de fundo. O ser humano permanece inalterado, embora se apresente sempre sob novas roupagens. Houve até quem decretasse o fim do romance, quando dos extremos alcançados por James Joyce, em seu Ulisses; outros consideraram finda a literatura em geral, com a chegada do computador.
O contrário está acontecendo. O computador tornou-se um excelente instrumento auxiliar do autor e um forte impulsionador da leitura. E o romance está mais vivo do que nunca.
Aqui, três livros o atestam: Palmerais, de Emanuel Lima; A Enxada, de Euclides Neto; e Meia-Vida, de Oton Lustosa. Três romances, bem diferentes na forma e muito próximos no conteúdo.
Emanuel Lima, com o seu Palmerais, usa a técnica do romance policial para retratar a região mais fértil do Piauí, no médio Parnaíba. Em torno da ação do Detetive Lacombe, convocado para decifrar misterioso sumiço de uma jóia rara, o autor vai construindo o painel do sertão. As descrições são feitas em traços rápidos, os personagens revelam-se pela ação. Os diálogos integram e desenvolvem a história. À medida que avança, a história vai mostrando a sociedade como uma verdadeira colcha de retalhos: pessoas de nacionalidades e interesses os mais díspares ali se encontram e entrecruzam. É um pequeno mundo perdido, que a gente acompanha com interesse, preso pelo suspense da ação detetivesca.
O título completo do romance de Euclides Neto é: A Enxada e a Mulher que Venceu o Próprio Destino. Por aí pode-se deduzir, já antes da leitura, que o romance contém, e provavelmente demonstrará, uma tese.
E assim é. Só que é, ao contrário do que mais acontece, uma bela obra de arte. Albertina, a mulher que venceu o próprio destino, emigra da cidade para a roça e conquista a felicidade... junto ao cabo da enxada. A trajetória é contada em linguagem de cinema, por imagens e falas. O personagem explicita-se pelo uso do discurso indireto livre. O texto é coloquial, popular, regional mesmo.
A força e a beleza do romance está aqui, na linguagem, na recriação lingüística da fala sertaneja. A Enxada é um romance com cheiro de terra, fala de roça e voz de esperança. É um romance que precisa ser lido. E meditado.
Como precisa ser lido e meditado o livro de Oton Lustosa, Meia-Vida. O próprio autor nos alerta que quer produzir obra de arte – com ênfase no social. E faz isto com maestria.
O cenário do romance é a cidade de Teresina e seus pontos característicos. Em especial a feira Troca-Troca e seus freqüentadores múltiplos e típicos. O enredo pouco importa, importando mesmo as meias-vidas dos personagens miúdos da sociedade teresinense. Por ampliação natural da leitura, vislumbra-se toda a sociedade nordestina, observa-se a nossa sociedade, chega-se à sociedade brasileira em geral. A história flui com naturalidade e é narrada no tempo presente, o que lhe imprime grande agilidade. É um livro que está na melhor linhagem do nosso romance picaresco, cuja origem remonta ao inigualável Manuel Antônio de Almeida e seu Memórias de Um Sargento de Milícias.
Três romances e três autores. Por cenários, uma cidade sertaneja, uma roça interiorana e uma capital nordestina. Por personagens, uma cidadezinha do interior caçada pelo capital internacional; um pedaço de terra apontando futuro; um punhado de gente miúda lutando por dignidade de vida em cidade grande.
Três livros, três histórias. Atuais. Modelares. Tanto, que são espelho do nosso mundo.
Roque Gonzales, RS, outubro/1999.
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*NELSON HOFFMANN é professor, escritor e crítico literário do Rio Grande do Sul traduzido para várias línguas; autor, entre outros, de Eu vivo só ternuras (novela) e O homem e o bar (romance)