O cronista relembra suas andanças por Santa Catarina, o encontro com seus poetas e a lição do "Mestre Alcides"
A primeira vez que andei por Santa Catarina foi lá por meados de 60. Na ocasião, três amigos e eu compramos uma velha kombi, caindo aos pedaços, e mandamo-nos por aí, querendo conhecer o Brasil. Partimos de Torres e chegamos a Florianópolis. A kombi enguiçou pela primeira vez e ali ficamos por três dias e três noites.
Apaixonei-me por Florianópolis e Santa Catarina e tornei inúmeras vezes. Percorri o Estado em todas as direções, conheci-lhe quase todos os recantos. Por fim, por último, dei com os costados na velha e legendária São João Batista de Campos Novos e ali deixei meu filho Diego. Isto, há pouco, há cerca de dez anos.
De então para cá, atentei na Literatura Catarinense – antes, era só Cruz e Sousa. Comecei pela terra adotiva de meu filho, Campos Novos, e expandi. Espraiei-me, contatei, conheci autores, fiz amizades e, hoje, há quem me diga “procurador”, “adelantado” e outras coisas similares dos escritores catarinenses na região gaúcha das Missões.
Na própria Campos Novos, descobri Edson Ubaldo, o soberbo contista de O Vôo da Coruja, além de poeta, palestrante e jurista de renome internacional. Quem me iniciou nos segredos das trilhas e veredas literárias catarinenses foi Enéas Athanázio, o vaqueano dos Campos Gerais e admirável contador de causos da vida campesina. Por sua mão, saí à cata de outro campos-novense ilustre, sumido, Herculano Farias Júnior. Não o encontrei, mas fui presenteado com a poesia de Artêmio Zanon, também filho da terra.
Artêmio Zanon é poeta de primeiríssima linha. O seu recente Cinco Poemas Dramáticos, englobando “A Rosa Ferida”, “Romança da Bengala Amarela”, “Enquanto o Filho não Nasce”, “Da Morte e da Guerra” e “Catariníada” é um livro belo e perturbador. À primeira vista, os poemas parecem simples e são de leitura agradável em ritmo, rima e métrica. Chama a atenção a preferência pelos tercetos e quartetos, estrofação bem popular. À medida que se avança, porém, a leitura vai se transferindo da forma para o conteúdo e a reflexão começa e a inquietação nasce, cresce, domina. O leitor perturba-se, problematiza-se e decide assumir-se no mundo. Isto é Poesia, isto é Artêmio Zanon, que precisa ser lido e lido. Com urgência.
O Enéas advertiu-me que não mora mais em Campos Novos – reside em Camboriú: um campeiro na praia. Desci a serra em busca de Camboriú. Passei por Blumenau, a loira cidade no sul, da Urda A. Klueger. Esta, a Urda, uma das mais singulares e importantes prosadoras do sul do país. E, não só. Com sua temática alemã, com seu Vale do Itajaí, com sua loira Blumenau, Urda Klueger nos traz um mundo que está fora do foco cotidiano de nossas letras. Um mundo diferente mas, nem por isso, menos importante. Urda é escritora que precisa ser melhor avaliada e mais destacada.
Volto à Florianópolis. Quanto à Camboriú, gostei mais daquela Camboriú dos anos 60: era, então, uma próspera vila de pescadores. Hoje… Bem, sou avesso às aglomerações. Até quero mais bem à Florianópolis: é uma grande cidade menor. Humana. A gente se conhece.
Ali eu conheço Péricles Prade, Alcides Buss, João Alfredo Medeiros Vieira, Pinheiro Neto, C. Ronald e outros.
O Pinheiro Neto é grande poeta e grande amigo. Andou por aqui, em Roque Gonzales. Palestrou, visitou, churrasqueou e vendeu quantos exemplares trouxe do seu Ciclo dos Olhos. Continua recordado, comentado e admirado. Voltará.
J. A. Medeiros Vieira escreveu uma das mais belas orações já escritas em Língua Portuguesa, A Prece de um Juiz. O texto percorre o planeta e está traduzido para quase todas as línguas da Terra. Homem de cultura universal, o autor aborda o tema que se lhe apresente: Filosofia, Direito, Letras, Ensino.
Péricles Prade é por demais conhecido e respeitado. Um solitário. Sem antes nem depois. Sem paralelo. Por vezes, difícil, é sempre incomparável. Daí, a solidão do poeta e o respeito de todos.
A “angústia de ser” é uma das definições para a poesia de C. Ronald. A condição humana, origem e fim, o estar transitório, o “eu e a circunstância” de Ortega y Gasset, são alguns dos múltiplos aspectos desse poeta. Aspectos múltiplos que, por sinal, se reduzem a um só: o Ser, o “Esse”, o “Ens ut Ens”.
O Poema e o Poeta é a síntese de Alcides Buss. A Criatura e o Criador. A junção, a fusão, a Unidade. No princípio era o Verbo, e o Verbo estava em Deus, e o Verbo era Deus (Jo, I,1). O Poema e o Poeta, o Uno. Lição de Alcides Buss, o “Mestre Alcides”.
Não restam dúvidas: eu preciso voltar à Santa Catarina. O quanto antes! Eu preciso falar mais de perto com cada um. Em particular. Em breve.
Eu voltarei.
Roque Gonzales, fevereiro/2000