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"A Mulher, o Homem e o Cão", de Nicodemos Sena
Página publicada em: 08/10/2009
Clauder Arcanjo*
"Enfim, o que se nos apresenta regional sublima e alça voo à cata do permanente, do universal. Como todo grande mestre, Sena não palmilha veredas triviais, sabe ele que o cerne do drama humano pode até se apresentar nas coisas comuns, permeadas de folclore, de crendices, medos e tipos, mas que no caroço desse fruto, na gema desse ovo é que resiste o duradouro, vestindo-se, e fingindo-se de simples, quando na maior parte das vezes é rígido, e quase indecifrável" (Resenha originalmente publciada na revista "Papangu", setembro/2009, Rio Grande do Norte)
O mundo amazônico, com sua profusão de mitos e encantos, sempre foi algo muito pouco explorado em nossa literatura. Nos últimos anos, graças a nomes do porte de um Nicodemos Sena, essa ‘verdade’ tem ido por água abaixo. Graças a Deus.
 
Detentor de ‘dotes’ ficcionais incomuns na dita geração contemporânea, tão afeita às invencionices e escassa em recursos de um bom contador de histórias, Sena apresenta-nos agora mais um romance. Ele, que estreara com o caudaloso e bem tramado A espera do nunca mais — uma saga amazônica, ganhador, em 2000, do Prêmio Lima Barreto/Brasil 500 anos, da União Brasileira de Escritores (UBE/Rio de Janeiro), que não decepcionara com o seu segundo livro, A noite é dos pássaros, vindo a lume em 2003, põe, desta feita, sua letra selvagem a serviço da trama de A mulher, o homem e o cão.
 
Em cada sentença, a magia de um poeta prosador, daqueles que nos cativa com a fluência da trama, com o fulgor do enredo, e com as singulares construções melódicas. Enfim, defrontei-me com uma narrativa mítica como há tempo não lia.
 
O limite entre o real e o imaginado é vencido, seguidas vezes, sem, contudo, nos vermos frente ao “inacreditável fantástico”. Ao contrário, os três elementos que compõem o eixo romanesco: a mulher, o homem e o cão, seres sem qualquer identificação própria, fazem-nos crer que o que Sena nos conta é algo próprio a toda a humanidade; apesar de, no caso em foco, assentado no chão da selva mais profunda.
 
“A primeira (a mulher) surge como um símbolo de sedução, maternidade e, acima de tudo, como um princípio desencadeador de emoções, regido pela natureza. Com a sua potencialidade de gerar, mas também de exterminar o que está ao seu redor.” — anuncia o crítico Oscar D’Ambrosio em texto para as orelhas da nova obra desse filho de Santarém.
 
A mulher, o homem e o cão: a magia do fantástico amazônico
 
Diversas passagens são dignas de registro, apenas com o intuito de demonstrar, ao leitor mais arisco, a valia de mergulhar profundamente no universo mítico-telúrico de Nicodemos Sena. Logo na abertura, a saída mágica: “Agora, que me vê sozinho, devo parecer infeliz, mas nem sempre foi assim; tempo houve em que a mulher, eu e o menino — e também o cão, que apareceu depois — fomos felizes, até que uma coisa estranha aconteceu. Que coisa? O senhor quer saber? Eu lhe conto, pois não houve um só dia nesses anos todos em que não tenha contado essa história para mim mesmo, mil vezes; há coisas que ainda procuro entender.” E quem não é atraído por um chamamento assim?
 
E, o que é melhor, quanto mais nos ‘afundamos’ na trama, mais gostamos dos abraços de sucuri do narrador, daqueles de tirar o fôlego, de quebrar os ossos da espinha dorsal da curiosidade, ao tempo em que nos instila o gostoso veneno do bem contado que, “como o senhor sabe, tem uma língua esponjosa”, a lamber personagens, enredo e leitor, “pois aqui tudo dá no mesmo”.
 
No miolo de cada cena, a sensação de que somos observados por “uns olhinhos negros e brilhantes, visguentos e viperinos, primitivos e sagazes...”. “Fiz o sinal da cruz e balbuciei um ‘ai Jesus!’ e, sentindo que ia desmaiar, tive, nesse justo momento, a visão plena da coisa que se escondia na névoa.”
 
Sim, na névoa, porque é nesse ambiente, impreciso e duvidoso, que gosta de se espraiar o mito. ‘“Como saber que falas a verdade?’, indaguei. ‘A palavra é a verdade, não está escrito? Essa é a maior mentira do universo, pois a verdade não se revela em palavras’, ele me respondeu.”
 
Nicodemos Sena: o contador de histórias
 
“O homem é o elemento que interage com a mulher e com o mundo de maneira complementar. Se há entre eles a paixão, também permeia essa relação uma certa rivalidade e competitividade. Com sua febre de caçador e seu instinto alerta para conquistar o alimento e o sexo, ele luta com e contra o mundo, sempre com uma sensação de espanto para um universo que gostaria de entender melhor e ao qual tenta se integrar.” — anuncia, ainda, o mestre D’Ambrosio.
 
A arte de Nicodemos Sena é ser simples e complexo ao mesmo tempo. Numa visada rápida, tudo se nos assemelha óbvio. Pseudo-obviedade, que fique bem claro. A urdidura ficcional de Sena é recheada de armadilhas, e é de bom tom não facilitar. Ou diria melhor, é de ótimo tom se entregar, se deixar levar pela corrente do mito, que explode as simplicidades e revela-nos as profundezas do drama do bicho-homem; pois dentro deste impera o feminino, o próprio ser másculo e o cão — símbolo imanente de companheirismo e do demoníaco. “Nesta obra, ele seduz, camuflando-se nas mais variadas formas: como um monstro cabalístico ou um ente sedutor; com tais artifícios, põe-se a envolver sensorialmente uma cabocla esquecida nas veredas das verdes e molhadas terras amazônicas, ambiente propício para toda forma de encantamentos...”; nas palavras da doutora Dirce Lorimier Fernandes. Enfim, coisas de quem “demonstra ter um senhor pulso de romancista”; como bem asseverou Nelly Novaes Coelho, em resenha para o jornal O Estado de São Paulo.
 
Intencionalmente mitificador, Sena impregna o seu contar com o sumo da forma insidiosamente majestosa, esparrama seu verbo na copa das páginas e torna-nos cativos de um estilo fascinante, e ímpar. Se a serviço do bem ou do mal? Não sei, mas é o próprio Sena que nos dá a pista de sua visão acerca dessa indagação: “O bem e o mal só existem de acordo com os benefícios ou prejuízos que trazem aos homens. O que é bom para um pode ser mau para outro. A natureza está além do bem e do mal, ignora essa concepção egoísta, um antolho que atravanca a mente dos homens e está na origem das diversas religiões.”
 
As cento e vinte e uma páginas de A mulher, o homem e o cão vão sendo tramadas de um jeito subliminar; o não dito é muito maior do que o dito, o sugerido avança e invade os igarapés do escrito. Ao tempo em que o leitor “apreende as imagens, os símbolos, o emaranhado de dogmas e crenças permeando diálogos, monólogos ou reminiscências”, segundo a escritora Dirce Lorimier Fernandes.
 
A lição do romance amazônico
 
No mais, a história é uma mera(?) justaposição de crenças e credos, desejos e procuras incruentos, quase sempre beirando, e tentando desvelar, o lado selvático e inconfessável da espécie humana. Enfim, o que se nos apresentava regional sublima e alça vôo à cata do permanente, do universal. Como todo grande mestre, Sena não palmilha veredas triviais, sabe ele que o cerne do drama humano pode até se apresentar nas coisas comuns, permeadas de folclore, de crendices, medos e tipos, mas que no caroço desse fruto, na gema desse ovo é que resiste o duradouro, vestindo-se, e fingindo-se de simples, quando na maior parte das vezes é rígido, e quase indecifrável.
 
Outro ponto a ressaltar é o efeito do reflexo da metalinguagem obtida por Sena num complexo jogo de espelhos: barroco, segundo alguns; metafórico e lírico, sob o meu ponto de vista. A obra é francamente erudita, sem se cobrir com o vestido pernóstico da presunção desvairada. As citações quase não são percebidas de tão entrelaçadas às raízes e às ramagens do enredo.
 
O sonho dá o tom da maioria dos lances da obra, o lúdico amasia-se com o real, dando à luz o carnicão do essencial.
 
A mulher, o homem e o cão é gostoso, e fácil, de ler, caro leitor, o difícil é resenhá-lo. Se a gente tenta descrevê-lo, a essência foge, fugaz, traiçoeira; o melhor é navegar nos seus meandros caudalosos e sugerir, instigar, açular... a curiosidade alheia. Cada leitor terá o seu livro, como se de braços com um romance próprio, pessoal e intransferível, visto que todos nós trazemos, dentro de nossa alma e do nosso corpo, o cadinho em que se fundem todos os dramas e angústias do mundo. “Em todo homem há um espectador e um ator, um que fala e outro que responde.”
 
“A essência do real não se encontra na visão estereotipada dos fenômenos; ao contrário, um sonho extraordinário pode se converter na realidade mais nítida e bruscamente desenhada”; adverte-nos o autor no posfácio da obra. Para, objetivamente, arrematar: “Por ora, basta dizer que a selva, onde vivem as personagens (e onde eu nasci), é, no livro, que acabaste de ler, apenas a metáfora de todas as solidões terrenas.”
 
“E o homem, que havia contado os seus infortúnios durante uma noite que parecia nunca ter fim, de repente se calou. Por um instante devo ter cochilado, pois, quando o procurei com os olhos, havia desaparecido.”
 
A mulher, o homem e o cão é a sublime espécie do romance amazônico contemporâneo: mítico, selvagem e belo, terrivelmente belo.
 
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*Clauder Arcanjo é escritor, autor de Licânia (contos)

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Autor

» Silas Corrêa Leite

Começou a escrever aos 16 anos, no jornal "O Guarani", de Itararé, no Estado de São Paulo. Autor do hino ao Itarareense e relator da ONG Transparência nas Políticas Públicas. Crê no humanismo e critica o "Brasil S/A". Vê a arte como instrumento de libertação (Manuel Bandeira); seus textos apresentam-se como um testemunho das amarguras de seu tempo de lucros globalizados e injustos e riquezas impunes de um neoliberalismo insano de privatarias e o inumano neoescravismo da terceirização.

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