De como o romancista da Amazônia, Nicodemos Sena, leva o leitor a adentrar, vivenciar e compreender as misérias e os problemas das gentes amazônicas, recriando seus mitos, incluindo seus personagens dentro do contexto social e histórico, transformando um enredo regional e particular num roteiro universal (Resenha publicada originalmente no jornal "Rio Letras", nº 23, 2004, Rio de Janeiro)
Difícil lembrar de algum romance brasileiro, na atualidade, de literatura tão fragmentada, a conseguir amalgamar tantas qualidades: narrativa envolvente e bem construída, divertido, mas apresentando uma reflexão sobre a realidade, com personagens que transmitem tensão e sentimentos humanitários. Difícil imaginar, igualmente, que esse seja um romance de estréia, tal a maturidade de sua escrita, sua força imagéti-ca e poética, e, principalmente, por seu rigoroso estilo de linguagem.
Tendo a Amazônia como pano de fundo, em histórias narradas com uma técnica exuberante e sedutora, A Espera do nunca mais (Ed. Cejup, 1998), romance do paraense radicado em São Paulo, Nicodemos Sena (1958), atinge a sensibilidade do leitor de tal maneira, que é praticamente impossível se afastar de suas 876 páginas! Nicodemos Sena não tem medo das palavras, nem do estresse cotidiano. Com grande pulso dramático, numa linguagem fluida e líquida, como as águas do Amazonas, o autor utiliza-se, estilisticamente, da lentidão advinda da própria geografia do lugar, seus personagens aparecem, desaparecem e se reencontram sem pressa, mostrando suas faces e casos, como se tudo e todos estivessem dentro de um grande labirinto de selvas ou navegando dentro de seus rios, na certeza de que, num dia qualquer de um lugar qualquer, voltarão a se rever. É sobre o outro, sobre a possibilidade de um futuro sonhado, enfim, sobre nossas humanidades, que o autor se debruça em seu belíssimo livro, onde a palavra é o veio principal.
Fugindo dos estereótipos, a Amazônia de Nicodemos é, antes de mais nada, palco crítico da disputa de grandes inte-resses econômicos, tendo como mote os problemas da chegada do grande capital. Inteligente, o autor faz-nos adentrar, vivenciar e compreender as misérias e os problemas de suas gentes, recriando seus mitos, incluindo seus personagens dentro do contexto social e histórico, transformando um enredo regional e particular num roteiro universal. Mistura de realidade e ficção, A espera do nunca mais reflete sobre a história brasileira, mas não é politicamente “engajado”, é, sim, um romance lírico de suspense, que narra a agonia de uma região inteira quase a morrer.
Nicodemos Sena levou sete anos trabalhando em seu livro! É um trabalho corajoso, digno de aplausos, que não tem como objetivo primordial agradar ao mercado, visando ao sucesso a todo preço. Na contramão dos valores impostos por uma sociedade materialista, de bens descartáveis, A espera do nunca mais exigiu muito rigor, pesquisa, seriedade, sofrimento, dúvida, insegurança, lucidez, perseverança. O escritor deve ter corrido riscos por não se deixar aprisionar por fatores editoriais nem temáticos. Deve ter pagado o preço dessas dificuldades, mas obteve o lucro da gratidão de sua consciência. Em 2000, A espera do nunca mais ganhou o prêmio Lima Barreto/Brasil 500 Anos, da UBE/RJ. Sabemos que prêmios são, tantas vezes, glórias fugazes, mas, é bom que se diga, um romance como esse é pedra rara, só se encontra uma vez ou outra.
Nicodemos Sena merece que seu nome seja revelado de imediato para todo o país como um dos grandes escritores brasileiros contemporâneos!
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*TANUSSI CARDOSO é poeta e jornalista, autor de Viagem em torno de (Ed. Sete Letras, RJ)