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Além da selva / ENTREVISTA
Página publicada em: 13/03/2010
Carlos Herculano Lopes*
O escritor paraense Nicodemos Sena volta ao vasto e mítico universo da Amazônia em seu instigante romance "A mulher, o homem e o cão" (LetraSelvagem, 2009). Nascido em Santarém do Pará e há muitos anos morando em Taubaté, no interior de São Paulo, ele é autor de "A espera do nunca mais" e "A noite é dos pássaros", que também abordam os mistérios de sua terra natal. Formado em jornalismo e em direito, o escritor, com uma linguagem só dele, fala em seu novo livro do homem sem nome que conta a história de sua mulher a um ouvinte invisível. “Tentei limpar os mitos de suas marcas locais ou da roupagem que lhe impuseram os viajantes ou naturalistas, que os verteram para o código escrito, sem porém retirar o homem do seu ambiente natural”, diz Nicodemos ao repórter Carlos Herculano Lopes. (Entrevista publicada no caderno Pensar do jornal “Estado e Minas”, Belo Horizonte, 16/01/2010).
CARLOS HERCULANO LOPES entrevista NICODEMOS SENA:
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NICODEMOS SENA
 
 
 
CARLOS HERCULANO LOPES - O que mudou em sua literatura desde a estreia, com o romance A espera do nunca mais: uma saga amazônica?
 
Nicodemos Sena - Continuo na mesma selva, mudaram apenas os caminhos. Em A espera do nunca mais, trouxe para a literatura uma Amazônia ao mesmo tempo paradisíaca e infernal, onde a harmonia do homem com a natureza era apenas aparente, pois o capital predatório, gerador de conflitos e misérias, destruía a antiga sociedade, chamada pejorativamente de arcaica, mas fundamentada na solidariedade entre seus membros, substituindo-a pelo estilo de vida moderno. Para tratar de tais chagas, tive de tocar em aspectos políticos, históricos, sociológicos e antropológicos, além dos geográficos, pois tinha em mente escrever "o romance" desse pedaço do mundo tão cobiçado e falado, mas tão pouco conhecido pelos próprios brasileiros. Em A noite é dos pássaros, retrocedi ao momento inicial do conflito entre povos que têm visões de mundo antagônicas. Refiro-me ao choque étnico-cultural entre os indígenas e o colonizador europeu, no curso do qual surge essa figura híbrida e um tanto obtusa do caboclo amazônico ou brasileiro, que até hoje tem dificuldade para se definir e exercer papel autônomo no quadro da sociedade brasileira. A narrativa francamente onírica deste romance é tão importante quanto a pesquisa bibliográfica que realizei para escrevê-lo. A geografia e os costumes, o tupi arcaico usado no livro e o universo mental e cultural dos indígenas e da sociedade europeia de então tornaram novamente importante para a narrativa os vários aspectos da sociedade humana.
 
CHL - É essa a linha adotada em A mulher, o homem e o cão?
 
NS - Escrevi esse livro com um sentimento de melancolia profundo, que às vezes me domina quando me recordo da pátria – mítica e simbólica – ausente. Por ter vivido no oco do mundo, conheço a “noite que existe dentro do caroço” de que fala um mito indígena. Dentro da minha casa, em Taubaté, há um simulacro de floresta amazônica, diante da qual às vezes me quedo com os olhos perdidos no nada. Nesses momentos, retorno às matas fechadas e às capoeiras onde vagabundeei na infância e na adolescência. Desde que saí da Amazônia, experimento uma espécie de exílio dentro do meu próprio país; é uma coisa muito estranha, que me incomoda muito. Em A mulher, o homem e o cão procurei trilhar novo caminho, sem sair dos trilhos. A literatura até aqui tem se amparado em tipos, e a crítica tradicional valoriza o que é típico. Até se diz que, quanto mais típica a situação ou o personagem, melhor o livro. Tentei limpar os mitos de suas marcas locais ou da roupagem que lhe impuseram os viajantes, ou naturalistas que os verteram para o código escrito, sem porém retirar o homem do seu ambiente natural, o qual, no caso dos meus personagens, é a selva – não uma selva qualquer, mas a “selva selvaggia”  à qual se referiu Dante. O tempo e o lugar também já não são importantes neste livro, assim como os aspectos sociológicos, históricos ou políticos. Nem o homem em movimento, ou o movimento das coisas, nem mesmo o movimento em si, mas algo que está para além de tudo isso e que vive no pensamento. Ou seja: a alma de pessoas e coisas, pois, como se diz em uma passagem de A mulher, o homem e o cão, "aqui tudo dá no mesmo".
 
CHL - Onde está a alma dessa história?
 
NS - Um homem sem nome, na beira de um rio também sem nome, durante uma noite que parecia nunca ter fim, conta a um ouvinte invisível – que pode ser o leitor, o próprio escritor ou mesmo ninguém – os extraordinários e aparentemente estapafúrdios diálogos que sua mulher teria travado com uma estranha figura, ou criatura, que se apresentava sob as mais diversas formas, e que a levou a conhecer o sombrio e misterioso “reino do fundo”, ou mundo submerso. Esse é o núcleo do livro. Embora tudo, à primeira vista, possa parecer fantástico, a história de uma mulher que conversava com o diabo, eu a ouvi incontáveis vezes, escondido atrás da porta da casa da minha avó Guida, que afirmava tê-la vivido durante os anos em que morou nas nascentes do Rio Maró, o pequeno e sinuoso riozinho que forma, 200 quilômetros abaixo, o Rio Arapiuns, um dos afluentes do grande Tapajós, no Oeste do Pará, onde nasci e vivi com índios e caboclos – experiência que me marcaria para sempre. Embora a narrativa possa parecer sobrenatural e até absurda, não vacilo em dizer: este é o meu livro mais realista, o que prova que, em se tratando de literatura, como da vida, são muito fracas as fronteiras entre o real e a imaginação.
 
CHL - Você costuma buscar seus personagens em mitos da infância, em coisas que lhe contaram?
 
NS - Qualquer coisa vista, ouvida, lida, vivida ou imaginada pode se tornar matéria-prima nas mãos do artista, sobretudo de um romancista. No meu caso, porém, dou grande importância à experiência extraída da vivência sentida na pele. Não me agrada exercitar a imaginação totalmente descolada da vivência. Exceção aos livros puramente alegóricos ou de mero entretenimento, soam-me falsos os romances ambientados em lugares onde o autor jamais esteve ou sobre sentimentos não vividos.
 
CHL - Como a literatura nordestina, a amazonense não é muito conhecida no Sudeste, com exceção de nomes como Márcio de Souza, Milton Hatoum e Dalcídio Jurandir, entre outros. Mesmo morando há muitos anos no interior de São Paulo, você continua em contato com os novos autores de sua região?
 
NS - Vou constantemente à Amazônia e procuro saber o que há de novo por lá. Por isso posso afirmar que, além dos citados Márcio de Souza, Milton Hatoum e Dalcídio Jurandir, há outros ótimos escritores no Norte, como Vicente Franz Cecim, Sant’Ana Pereira, Carlos Correia Santos e Alfredo Garcia, além de outros, já falecidos, como Ildefonso Guimarães e Benedicto Monteiro. Isso em se falando de romance e de conto. Na poesia, além do também falecido Max Martins, cito Thiago de Mello, Antonio Moura, Age de Carvalho, Antonio Juracy Siqueira e Benilton Cruz.
 
CHL - Quais são os planos para 2010?
 
NS - Ando pela metade de um novo romance, cujo título provisório é A tragédia brasileira. Plano audacioso, espécie de acerto de contas com este país grandioso e infelicitado, no qual muitos dos melhores cidadãos acabam muitas vezes expelidos como loucos, como vemos muitos exemplos por aí. Além disso, venho organizando uma coleção de poesia e outra de prosa para a Editora LetraSelvagem, que procura valorizar a literatura que se faz no Brasil e nos países da América Latina e da África.
 
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*Carlos Herculano Lopes é um dos grandes escritores mineiros da atualidade; autor, entre outros, de O último conhaque e Coração aos pulos (romances) 

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