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O encanto da Tragédia
Página publicada em: 03/03/2012
Maurício Melo Júnior
O romance "Selva trágica", reeditado pela LetraSelvagem, revela a brutal exploração do homem nos ervais do Mato Grosso. Mas esse romance de Hernâni Donato, cinco décadas após o seu lançamento, foi capaz de sobreviver como obra de arte, graças à inequívoca qualidade de sua linguagem. (Resenha publicada originalmente no jornal "Rascunho", dezembro/2012)
Era um rebanho, uma manada de búfalos descendo do Nordeste para tomar de assalto toda a forma literária do país. Assim o poeta e romancista Oswald de Andrade via os romancistas que, a partir do romance A bagaceira, de José Américo de Almeida, publicado em 1928, domaram a cena artística nacional. Eles traziam, além de uma forte carga de cunho social para as letras, com retirantes fugindo das injustiças dos campos para cair na miséria das favelas urbanas, uma linguagem recolhida no âmago daquela gente oprimida.
 
Há dois exageros na visão oswaldiana. Primeiro, nem todos vinham do Nordeste. O ideário do chamado Romance de 30 espalhou-se por todo o país e logo em 1931 Marques Rebelo publica Oscarina, um romance de crítica social ambientado no Rio de Janeiro e com sotaque carioca. Em 1934, é o mineiro Lúcio Cardoso, com Maleita, quem mostra a sólida degradação humana dos sertões do rio São Francisco. E no ano seguinte, 1935, Erico Verissimo, com Caminhos cruzados, expõe o olhar gaúcho sobre a vertente amarga da expansão urbana naquela hora ainda incipiente.
 
Também não havia um sentimento de coesão assim tão forte, uma ligação de manada entre eles. Os laços que os prendiam eram feitos do ideário social e da intenção de escrever com uma “língua nacional”, expressão cunhada por José Américo já no preâmbulo de A bagaceira. No entanto, este movimento se deu de forma quase espontânea, ou melhor, nasceu como fruto da inquietação política natural do período, onde se debatia com intensidade as vertentes do nacionalismo e das injustiças sociais. Basta dizer que Rachel de Queiroz escreveu O quinze, em 1930, sem ter qualquer notícia de A bagaceira.
 
Apesar de todos estes pesares, a literatura daí nascida, uma literatura, repita-se, que une linguagem local com crítica social, sobrevive até hoje e influenciou diretamente todos os movimentos literários que vieram em sua esteira, até mesmo, pasmem, o inconsistente Movimento Concretista. Naturalmente que alguns filhos se deixaram envolver com mais intensidade pelos pais. É o caso de Hernâni Donato, cujo romance Selva trágica acaba de ser relançado.
 
Publicado inicialmente em 1960, Selva trágica conta a vida miserável dos trabalhadores dos ervais do Mato Grosso no período, início do século 20, em que a produção era monopólio de uma companhia estrangeira que no romance aparece como um ser quase mitológico. A exploração é intensa. Homens e mulheres são envolvidos por determinações dos prepostos da empresa que os fazem viver como escravos, sempre sob o guante de dívidas impagáveis.
 
Ao contrário da maioria de seus influenciadores, Hernâni não viveu nem assistiu à tragédia que descreve. O monopólio da Companhia Mate Laranjeira, argentina, durou até 1938. Só no final da década de 1950 foi que o paulista Hermâni Donato foi para a região pesquisar a vida dos antigos trabalhadores dos ervais. E encontrou uma situação bem análoga à anterior, mesmo depois do fim do controle argentino sobre as plantações.
 
Por poder assistir a uma realidade tão similar, com homens tendo que carregar nas costas fardos de cento e cinquenta ou até duzentos quilos, onde uma queda lhes partiriam a espinha e os companheiros tinham de decidir nas cartas quem lhes amenizaria o sofrimento com um tiro de misericórdia, Donato escreveu um romance de cores vivas, fortes, maculadas. O escritor, enfim, conseguiu detalhar as dores de seus personagens e levar o leitor à indignação e à revolta.
 
Como pano de fundo da tragédia, o romance trabalha com uma história de amor. Em meio ao ambiente brutalizado e desumano, Pablito vive de amores por Flora. Isaque, um dos prepostos da Companhia, interessado na mulher, manda o trabalhador buscar novos pontos de corte do mate floresta adentro, um ofício de muitos dias e sacrifícios. Flora se protege no rancho de Pytã, irmão de Pablito. Tudo em vão. Isaque consegue estuprá-la. Na volta, a formação moral daquela cultura não permite uma conciliação entre os amantes. E a tragédia segue seu curso.
A relação entre Pablito e Flora é somente um arcabouço aos limites da desumanidade daquela gente. Ninguém ali pode ter posse ou direitos, pois tudo, até as vidas e as mortes, está reservado aos interesses da Companhia, um ser distante, inalcançável. A impessoalidade dos tratamentos e das relações animaliza a todos. E aí caímos no advento de uma ambição levada aos extremos.
 
A descrição crua da ambição dá universalidade ao romance. As injustiças espalham-se por todos os cantos do mundo. E o que acontece no Mato Grosso visitado por Hermâni não chega a ser novidade e, o pior, ainda se repete. Insistir na denúncia é um mérito do escritor. E denunciar com precisão e rigor, com cores indignadas somente fortalece tal mérito.
 
A exploração irracional de trabalhadores permanece como uma das mais cruéis marcas de nosso tempo. Frequentemente os jornais estampam imagens de campesinos presos em fazendas distantes, ou de coreanos e bolivianos presos em galpões fétidos de São Paulo onde labutam horas a fio e sobrevivem. Tudo isso, infelizmente, confere atualidade a Selva trágica.
 
Como filho dileto dos romancistas de 30, Hernâni Donato também busca na linguagem local as nuances necessárias à confecção do realismo de seu trabalho. As expressões vindas do guarani tão corrente naquela área de fronteira ganham notas de rodapé para se tornarem mais claras. Mas o que fica mesmo da leitura é uma realidade descarnada e dolorida, atual e universal, e sobretudo modulada com um sentido artístico que revolta e, ainda assim, encanta.
 
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Maurício Melo Júnior é jornalista e escritor. Vive em Brasília (DF).

 


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» Nicodemos Sena

Pelo estilo vigoroso e a temática inspirada na vida das populações marginalizadas da Amazônia (indígenas e caboclos), já foi comparado a grandes ficcionistas brasileiros, como Graciliano Ramos, João Ubaldo Ribeiro, Mário de Andrade e Érico Veríssimo, e a importantes ficcionistas latino-americanos, como o paraguaio Augusto Roa Bastos e o peruano José María Arguedas. Seu primeiro romance, "A Espera do Nunca Mais - Uma Saga Amazônica" (876 pág), conquistou, em 2000, o Prêmio Lima Barreto/Brasil 500 Anos.

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