O relato de um homem que chegou ao "fim do túnel" e não encontrou aí luz alguma, esperança ou caminho.(Resenha publicada no jornal HOJE EM DIA, 18/10/2012, Belo Horizonte)
Diário um médico louco é mais do que ficção. O autor, Edson Amâncio, mineiro de Sacramento, no Triângulo Mineiro, é realmente médico, mas não louco. Uma das cenas mais impressionantes acontece logo no início do romance, quando um universitário de Medicina recebe, como prêmio por seu curso, um cadáver fresco para dissecar. Um corpo nesse estado é muito diferente dos conservados meses em formol.
O corpo que lhe foi entregue, ele sozinho na sala de dissecação, era de um obeso, deitado sobre a laje do cimento, ainda vestido como saíra da enfermaria. Detalhes não importavam, o que valia era a experiência para o jovem operador. A descrição dos atos seguintes são macabros. Tão logo o bisturi penetrou a carne macia, o defunto emitiu um grito tão pavoroso que se repetiu noites de atormentado sono do quase médico. Sentiu que teria cometido um assassínio, sem presença de testemunhas. A carreira se encerrava antes de começar. E ele se transformara um assassino frio. E o que diria a Imprensa? “Jovem estudante de Medicina mata cadáver na aula de anatomia”. Era o início macabro de uma carreira a ser definida e vivida.
No decorrer do diário, o protagonista contesta teorias dos sábios gregos, mas confirma que desde a antiguidade se sabe sobre os humores capazes de produzir moléstias diferentes. Mas acha que o fim das velhas teorias muito se deve à máfia da indústria farmacêutica.
Quanto ao seu diário, o personagem planejara escrever 14 mil páginas, como Amiel. Mas raciocinou: “Alguém que se propõe escrever 14 mil páginas de um diário não estaria com o miolo mole?”
Mas quem está com miolo mole jamais pensa estar com miolo mole. E teria vida para tamanha empreitada? Escreveria 38 páginas e meia por dia, durante 365 dias. Mas ele tinha outras atividades, de modo que estabeleceu uma série de rigorosas regras para seu propósito. E suas dúvidas e perquirições eram imensas, não conseguia desfazer-se delas.
Com 45 anos, tornara-se celibatário convicto e resignado, depois de três casamentos frustrados. Somando desventuras e desafios, após visitar a Rússia e comparecer a velórios, chegou à conclusão de que “todo homem tem um limite”. Chegara ao final, ao fim do túnel, mas não havia luz alguma, esperança ou caminho.
No mais, é como novela de televisão. Aguarde o próximo capítulo. E o livro é rico em surpresas, patrocinadas pela Letra Selvagem.
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*Manoel Hygino dos Santos é membro da Academia Mineira de Letras