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Do Pau Caído, um potente e reto escritor: Caio / ENTREVISTA
Página publicada em: 23/03/2013
Marcos Caldeira Mendonça
Ele saiu da fazenda Pau Caído e penetrou com potência na literatura brasileira: Caio Porfírio Carneiro. Ao se referir à obra desse contista e romancista cearense, convém abandonar o nome da citada fazenda e mencionar o da cidade onde em 1928 nasceu: Fortaleza. Um exemplo é o ótimo "O sal da terra", romance sobre a tormentosa vida numa salina do Nordeste, lançado em 1965 e reeditado em 2010, em quarta edição, pela LetraSelvagem. Escreveu também, entre muitos outros livros, "Trapiá", "O Casarão" e "Os meninos e o agreste". “Contista de altos méritos”, segundo abonou o escritor e crítico João Clímaco Bezerra, ele deu à literatura brasileira uma “contribuição corajosa, vívida e consequente”, no observar do cronista João Antônio (autor de "Malagueta, Perus e Bacanaço"). Caio Porfírio Carneiro conquistou prêmios importantes, como o Afonso Arinos, da Academia Brasileira de Letras, e o Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro. Mora em São Paulo desde 1955, mas faz questão de dizer que visita o Ceará frequentemente. Em entrevista exclusiva, ele conta que, menino, quase morreu como Ana Karenina, de Tolstói, sob rodas de aço: “Fui tomar o trem com minha mãe. Vi qualquer coisa brilhando entre os trilhos. Pulei para apanhá-lo. Vinha passando um trem-cargueiro. Todos da estação gritaram”. Informa que, se fosse viver só de literatura, estaria a esmolar nas esquinas. Elogia a obra do escritor Cornélio Penna, que viveu em Itabira, e, entre outros assuntos deste do “doido desbilotado”, como diria o velho Clemente do magnífico "Trapiá", diz o que responde quando a ele alguém se refere como “o Caio do Pau Caído”. (Entrevista publicada originalmente no jornal "O TREM Itabirano", Itabira, MG, março-2013)
O TREM - Todos carregamos cenas marcantes da infância. Quais são as do senhor?
 
Caio Porfírio Carneiro - Não é fácil responder. Nasci em Fortaleza (CE) e passei toda a minha infância, juventude e começo da fase adulta lá, indo periodicamente ao sertão, em férias prolongadas. Na minha idade, as recordações são inúmeras, ungidas a uma saudade imorredoura, embora muitas passagens tristes. Da fazenda Pau Caído, do meu avô paterno, todas as lembranças são inesquecíveis. Fortaleza era meio provinciana. Meu pai foi rico e ficou pobre com a crise de 1929. Nasci para assistir à sua derrocada. Nesse período eu quase passei fome e fomos socorridos pelos tios e pelo avô paterno. A educação era severa. Acabou. A religiosidade dos padres holandeses sacramantinos. Acabou. Qualquer coisa que eu fazia fora dos padrões impostos era pecado. Passou. Os professores do ginásio, ditatoriais. Acabou. Em compensação, secretamente rebelei-me contra tudo isso. Já era a minha imaginação criando. Os banhos de mar, uma delícia. Os brinquedos variados, feitos por nós mesmos, pois meus pais não podiam comprar os das lojas. Mas há dois pontos na minha vida que quero destacar: minha lembrança mais remota e porque saí da minha terra, que revejo todos os anos. Primeiro: lembro-me, com enorme saudade, dos carretéis de linha que minha mãe me dava, e com eles, aos 3 ou 4 anos de idade, procurava fazer um trenzinho e não sabia como. Segundo: aos 24 anos, formado em geografia e história, gerente da firma Celso Nunes, agência da Companhia de Aviação Panair do Brasil, ganhando excelente ordenado, fiquei tuberculoso e passei um período no hospital e três anos praticamente deitado e tomando pneumotórax para não morrer. Perdi tudo. Quando eu pensava que estava lá em cima, vim abaixo num escorregão só. O meu mano mais velho, que morava em São Paulo, foi a Fortaleza e trouxe toda a família.
 
O TREM - Por gentileza, cite algumas coisas desse mundo antigo que não mais existem – e que foi muito bom terem acabado.
 
CPC - Estão na primeira resposta. Uma severidade descabida no campo da educação, que mais punia do que ensinava, e uma religiosidade medieval que tentaram me incutir. Acabei me rebelando de vez quando uma menina, à noitinha, nas areias, a caminho do Liceu, onde eu fazia o ginásio, sorriu para mim e me ensinou o caminho das pedras...
 
O TREM - Como o senhor, nascido em 1928, tem visto a revolução tecnológica: a impressionante internet, por exemplo, que serve ao bem e ao mal com a mesma eficácia?
 
CPC - Nem me fale. Fui secretário administrativo da União Brasileira de Escritores (UBE) e vi de perto fulgurações de beleza e barbaridade. Fazem o diabo na internet. Qualquer pergunta que eu faça ao computador, ele responde logo. Mas a ratazana está infiltrada lá, fazendo miséria. Não sei como isso será controlado e se há algum meio de bem direcioná-la. A juventude de hoje passa horas no teclado e na telinha. E a internet está só começando. Pergunto-me como será isso daqui a 20 anos, dentro deste cruzamento: bem e mal. A internet integra o mundo mais e mais e o pulveriza com informações desencontradas que o desnorteia. Uma coisa é certa: a arte só desaparecerá quando o homem desaparecer. Ela nasceu com ele desde as belezas rupestres.
 
O TREM - Alguém já conseguiu fazer uma boa anedota com o fato de o senhor ter vivido numa fazenda chamada Pau Caído, ou só escuta piadinhas ruins sobre tal ocorrência?
 
CPC - A fazenda do meu avô paterno – ainda está lá – sempre se chamou Pau Caído. Tenho muita saudade dessa fazenda do coronel da Guarda Nacional que se chamava Martiniano Carneiro. Fica perto de Sobral, norte do Ceará. Pois muito bem, quando me perguntam como vai o Caio do Pau Caído, minha resposta é simples. Se é homem, respondo: “Reflorindo”. Se é mulher, a resposta é dúbia: “Quer tirar a prova, para ver como?”
 
O TREM - Disseram-me que o senhor mantém uma bendita jovialidade. É esse um dos mandamentos para a felicidade?
 
CPC - Não sei. É a minha maneira de ser, de encarar a vida. Nem quando o médico me disse, para a minha surpresa, que eu estava tuberculoso, perdi o sono. Ao mesmo tempo, estou sempre preso à autocrítica e à responsabilidade. E vou levando a vida, sem pensar quando termina a caminhada. Porque a morte, como disse muito bem o [escritor gaúcho] João Gilberto Noll, é uma grande sacanagem. A felicidade está em instantes os mais inesperados. No abraço a um amigo que não se vê há anos, numa piada ótima, no beijo de uma pessoa querida. Como a tristeza, por sua vez, vem ao vivo com a simples recordação de um momento bom que passou.
 
O TREM - É bom ouvir histórias com trem no enredo. Tem alguma na gaveta da memória?
 
CPC - Há tantas histórias e momentos com a presença de trem na minha vida que não consigo me fixar num apenas. Na minha geração existiam poucos ônibus e automóveis. Eram mais os bondes e os trens. Mas me fixo em dois momentos com trem, que vão e voltam na lembrança. Um de muita saudade, outro de muito susto. O meu avô materno morava numa pequena cidade chamada Soure, ligada quase a Fortaleza. Eu ia muito lá de trem, quando menino. E sentia um prazer enorme de contar, pela janelinha do vagão, os postes telegráficos que existiam de uma estação a outra. Tanto na ida como na volta. E dizia aos amigos curiosos esse meu jeito, orgulhoso: “Vocês sabem quantos postes existiam de Fortaleza a Soure?” Ninguém sabia. E eu, todo orgulhoso, dizia o número. Surpresa geral. Outro momento foi uma quase tragédia. Fui tomar o trem com a minha mãe na estação. Vi qualquer coisa brilhando entre os trilhos. Pulei entre eles para apanhá-lo. Nesse momento, vinha passando, em boa velocidade, um trem-cargueiro. Todos da estação gritaram: “Cuidado!!!” Pus o pé no trilho e escorreguei para trás. O trem passou a centímetros de mim. Minha mãe quase morre. Se eu tivesse escorregado para a frente... Já era. Mas escorreguei para trás talvez porque o destino quisesse que eu salvasse a literatura brasileira. Tinha eu meus 8 anos de idade. E me vem à lembrança a pureza narrativa de José Lins do Rego sobre estação de trem no seu livro Pureza.
 
O TREM - Como sobrevive a essa lâmina perfurocortante chamada saudade?
 
CPC - Na minha idade, a saudade é uma constante, particularmente à noite, só eu e meus pensamentos. São infindáveis. Revivo um pouco nelas, particularmente dos antigos amores. E o curioso é que a saudade não me deprime. Ao contrário, revivo-me nelas e com elas.
 
O TREM - Como vê uma porcaria de livro como esse tal Cinquenta tons de cinza fazendo tanto sucesso no Brasil e no mundo? De onde vem a força dos livros péssimos?
 
CPC - Já vi muita porcaria fazer sucesso e não sei o motivo. Muitas vezes, estão ligadas a uma mídia que nos desnorteia. O que vale e o que mede é o seguinte: vamos ver se chegarão à posteridade. Esta, sim, seleciona tudo, inexoravelmente.
 
O TREM - Direi uma frase e o senhor, por favor, fale o que quiser, com toda liberdade: “Políticas de incentivo à leitura no Brasil”.
 
CPC - Essa frase creio que existe desde a descoberta do Brasil. Houve e há muitas tentativas sérias. É que tudo é muito complicado e burocratizado. Patinamos ainda para tirar da miséria grande faixa da população do país. Não é uma solução fácil de encontrar. Política de incentivo disso, daquilo etc. Todos os dias ouvimos isso, mas tudo está emaranhando dentro do nosso sistema sócio-político-econômico, complexo e difícil de caminhar. Creio que é por aí...
 
O TREM - O dinheiro que recebe com literatura é compatível com o talento do senhor?
 
CPC - Creio que não. Se eu for viver do que ganhei com a minha literatura, estaria pedindo esmolas pelas esquinas. Quem vive das letras neste país? Pode se contar nos dedos. E gente talentosa conta-se nos dedos. Publiquei 32 livros, ganhei alguns dos maiores prêmios nacionais, e continuo no batente. Por que escrevo? Imperativo interior. Se paro com as letras, arrebento. Nasci, para o bem ou para o mal, para isso. Por que escrevi o primeiro artiguinho aos 12 anos de idade? Pergunte aos deuses ou aos demônios.
 
O TREM - Muitos não leem o que o senhor escreveu, pois, infelizmente, o Brasil ainda não é um país de leitores. Isso o aborrece?
 
CPC - Qualquer escritor espera ser lido. Se não é, paciência. O que importa é que seja vocacionado para as letras, para a pintura, para a música, para uma das artes. Isso é o que vale. A literatura brasileira é pouco conhecida fora da América do Sul. Acredito que não seja por falta de qualidade.
 
O TREM - O que deve ser feito para que o mundo conheça mais a boa literatura brasileira?
 
CPC - A literatura brasileira é pouco conhecida no mundo inteiro. Na América do Sul, a literatura, entre os países do continente, é muito pouco transacionada. O que conhecemos do Peru, Bolívia, Equador, etc? Alguns nomes, poucos, da Argentina, Chile, Venezuela e pouco mais. A UBE promoveu um congresso de escritores do Mercosul. Foi um sucesso, mas ficou nisso. Até os congressos entre escritores de países de língua portuguesa, realizados aqui, em Portugal e Moçambique, perderam-se com o passar do tempo. O que conhecemos dos irmãos de idioma, atualmente, incluindo Portugal? No resto do mundo, então, pouquíssima coisa. Poucos os nossos escritores traduzidos. O que importa é o best-seller de ocasião. O meu romance O sal da terra está traduzido há anos para o francês e não se consegue um editor. Saiu na Itália e em árabe. Aí empacou. Eu iria longe para falar sobre isso. O imediatismo do lucro é o que importa. Fiquemos por aqui. É uma batalha árdua. É insistir e insistir. Eu iria longe, faria aqui um ensaio.
 
O TREM - Em toda essa estrada literária, qual foi a melhor história que ouviu ou presenciou?
 
CPC - Eu não saberia dizer. O fascínio do mundo rural, a cujo fim meio medieval assisti, ainda hoje me fascina. Escrevi uma biografia do Padre Cícero, Uma luz no sertão, bem recebida, ainda hoje. Conheci jagunços, policiais que perseguiram Lampião [Virgulino Ferreira, cangaceiro], e o que eles me contavam me deixavam perplexo. Alguma coisa contei, meio ficcionada, em alguns dos meus livros. Outros já contaram isso, a partir dos regionalistas de 30. Um universo meio mítico e meio mágico. O Zé Sereno, cangaceiro do bando de Lampião, contou-me histórias fascinantes do cangaço. Eu lhe perguntei: “Você matou alguém?” Respondeu-me tranquilamente: “Só matei filhos de uma égua”. Minas está repleta desse passado, sempre redivivo. Goiás, o Brasil inteiro, enfim. Mas minha linha contística seguiu outros parâmetros.
 
O TREM - Por favor, comente a obra de Cornélio Penna, escritor que morou em Itabira pouco tempo, mas carregou a cidade vida afora.
 
CPC - Sempre fui admirador de Cornélio Penna, como de Aníbal Machado, Guimarães Rosa e tantos outros. A história seria grande. Muitos deles não mais reeditados. Lúcio Cardoso para mim foi uma surpresa, na juventude. No meu livro Mesa de bar, faço uma comparação entre Cornélio Penna e Lúcio. Não dá para transcrever aqui, mas vão algumas linhas sobre o meu fascínio por Cornélio Penna. Nele, na sua obra, há um silêncio pesado, uma solidão doída e poética. Expõe com grande apuro no trato literário. É sempre essencial no narrativo, vai às aflições com grande impassibilidade. Parece-me um artista em permanente tempo de espera. As palavras, em Cornélio, são aparentemente mudas e dizem mais do que as expostas no texto. Nele há uma permanente busca do cosmo inteiro dos personagens. Ficcionista notável.
 
O TREM - A literatura muda o mundo?
 
CPC - A literatura não muda o mundo. A literatura constata o mundo, em dimensão artística e cósmica. Por isso, não morrerá.
 
O TREM - O senhor se relacionou com grandes nomes da literatura brasileira. O que extraiu de mais importante desse convívio?
 
CPC - Relacionei-me, ao longo dos meus 48 anos na secretaria administrativa da UBE, com um mundo de intelectuais, do norte ao sul do país. Conheci inúmeros, pessoalmente, por força do cargo. Fiz muitas amizades. Escrevi um livro, Perfis de memoráveis, sobre 60 escritores e poetas que conheci e não alcançaram o século XXI. Uma coisa posso dizer: todos muito simples, gente comum. O escritor e poeta, como artista, é gente comum. Eu poderia contar muitas passagens interessantes. Mas como? Aqui? Para citar apenas uma passagem interessante, cito uma pergunta que fiz ao Érico Veríssimo, num batepapo com outros presentes. “Como você conseguiu escrever O tempo e o vento, duzentos anos de história gaúcha?” Ele me bateu no ombro e respondeu: “Foi fácil”. Pensou, pensou, e concluiu: “Nem me pergunte”.
 
O TREM - Há algum escritor brasileiro excelente, mas pouco conhecido, não incensado pela mídia, que gostaria de indicar aos leitores dO TREM?
 
CPC - Prefiro mandar uma relação à parte, porque um nome só é pouco.
 
O TREM - O que de mais importante a UBE conseguiu fazer pela classe?
 
CPC - O trabalho da UBE é longo, bonito e pleno de percalços. Escrevi um livro, com o escritor J. B. Sayeg, já falecido, intitulado A vocação nacional da União Brasileira de Escritores – Sessenta e dois anos de existência, publicado pela RG Editores, de São Paulo, em 2004, trazendo a relação e a biografia de todos os associados, os congressos realizados, eventos etc. Um trabalho exaustivo e falho, porque muita coisa perdida ficou de fora. Precisa de atualizações. Mas, grosso modo, dá uma ideia da luta bonita e até heroica da entidade para unir a classe, proteger e divulgar a cultura e a literatura brasileiras. Dos fundadores aos dias de hoje, a UBE é um marco e referência quando se fala em cultura e literatura nacionais. O trabalho da UBE é meritório. E sofreu até despejo. Antonio Candido, que vem dos primórdios, Raimundo de Menezes, Cláudio Willer, Péricles Prade, Henrique Alves, o mineiro Fábio Lucas, Levi Bucalem Ferrari e o atual presidente, Joaquim Maria Botelho, para só citar esses presidentes, pois a lista é grande, que falem por mim. O atual presidente, Joaquim Maria Botelho, realizou o último Congresso Nacional de Escritores, em Ribeirão Preto, em 2011, enfrentando mil obstáculos. E foi um sucesso. E fico por aqui, porque há muitos nomes que passaram pela entidade e deram a ela muito do seu coração e trabalho. Em troca apenas de maior expansão das letras e da cultura nacionais e em busca de melhor espaço na mídia.
 
O TREM - Como O TREM é sediado em Itabira, esta pergunta é obrigatória: e Carlos Drummond de Andrade? O que gosta e o que não gosta na obra do itabirano?
 
CPC - Não conheci Carlos Drummond de Andrade pessoalmente. Só por telefone. Em 1982, sem concorrente que desejasse disputar contra ele, foi eleito Intelectual do Ano, recebendo o troféu Juca Pato, concurso promovido anualmente pela UBE. Fizemos tudo para ele vir receber o prêmio, mas resistiu e ficou no Rio de Janeiro. Falei com ele por telefone, mostrou-se muito cordial, mas resistiu. O presidente da UBE na época, Fábio Lucas, conversou com ele por telefone quase meia hora. Resistiu. Fazer então o quê? A festa não se realizou, porque ele era de temperamento assim. Creio que uma solidão só dele e seus demônios o levou a construir uma obra poética imortal. Uma poesia, a meu ver, feita de impulsos e constatações, simples sem ser fácil. Cada verso seu, que parece prosa, vem a relevo pleno de palavras mudas, num como dizer personalíssimo, dando vida e alma até às pedras e objetos. Tenho, em minha biblioteca, vários livros dele. E os releio, ao caso, aqui e acolá. E me pergunto: como se consegue fazer uma poesia assim? Drummond, com simplicidade, mostra o reverso do aparente sem se aproximar do filosófico redundante. Foi e é o maior poeta brasileiro? Não vejo assim. Está no cenáculo dos maiores, junto a outros que, como ele, seguiram veredas próprias com outros demônios. Ele é muito mais do que “um retrato na parede”, como emblematizou Itabira. A dor que ficou nele ficou pulsante nos leitores. A magia de sua poesia... Como dói...
 
O TREM - Acabamos de enterrar em Itabira um governo que tratava o livro como inimigo. Até acabar com bibliotecas acabou. Não pretendo caceteá-lo com problemas itabiranos, é só gancho para esta pergunta: qual a importância dos bons livros para uma cidade?
 
CPC - O que é que vou dizer de alguém que destrói livros e bibliotecas? O adjetivo mais pavoroso e demoníaco seria pouco. O livro é eterno. Alicerça qualquer sociedade que queira eternizar a história do seu passado e presente e projetar-se para o futuro. O suporte dos livros hoje é o seu formato em papel e capa. Antes deles eram rolos. Acompanha o homem desde as belezas rupestres. Lembro-me de uma estrofe de Castro Alves, do seu poema O Livro e a América. É de grande beleza e define bem o livro: “Oh! Bendito o que semeia / Livros... Livros à mão cheia... / E manda o povo pensar! / O livro caindo n’alma / É germe – que faz a palma, / É chuva – que faz o mar”.
 
O TREM - O que mais detesta hoje no Brasil?
 
CPC - O que mais detesto não é só referente ao Brasil. É a hipocrisia e a ganância. Até que o Brasil, em confronto com as nações mais ricas, se comporta melhor. E o lado mau da internet está soprando isso aos quatro ventos. Deus é brasileiro. Provou isso o humorista Arapuã, no seu livro Ora, bolas. É brasileiro porque foi traído por um companheiro de lutas; a única vez que se socorreu do governo, o governo lavou as mãos; e morreu entre dois ladrões. É o nosso jeitinho. Mas, no sério, está num crescendo, com todos os empecilhos à cultura e às artes em geral. Mas
a hipocrisia e a ganância invadem os meios de comunicação, os altos meios de comunicação, escritos, televisivos etc, que nos desnorteiam de forma impressionante. Um avassalamento que alcança até as religiões.
 
O TREM - Com experiência octogenária de Brasil, ajude-nos a entender este país: por que Paulo Coelho, banda Calypso, Faustão, seu conterrâneo Tiririca, telenovelas vagabundas, Big Brother e shopping center fazem um sucesso danado? De quem é a culpa?
 
CPC - A resposta a essa pergunta está praticamente inserida na pergunta anterior. Vivemos um mundo alucinado. Tudo que vale é o lucro fácil e a fantasia imediata. A culpa entra no contexto da integração, da velocidade eletrônica, no mercado do consumo... O mundo, a meu ver, atravessa uma fase um tanto desvairada. Os sociólogos que expliquem melhor. Há uma saturação consumista de tudo. Respondo com outra pergunta a mim mesmo: como estaremos daqui a 50 anos? Não sei. Especulo e não encontro respostas convincentes. Mas existem. Por enquanto, apesar da oferta e consumismo geral, um quarto da humanidade passa fome.
 
O TREM - Se pudesse despejar o conteúdo sólido de um penico na cabeça de um brasileiro, como Chico Benedito fez com a amásia dele, em O sal da terra, em quem o faria: num apresentador de programa dominical na TV, num político do PSDB, num político do PT ou num escritor de autoajuda?
 
CPC - No rastro da resposta anterior, eu precisaria não de um penico, mas de uma fábrica deles...
 
O TREM - Digamos que alguém lá do Ceará inventou uma máquina pela qual é possível falar e ser escutado simultaneamente por todos os brasileiros. Se fosse usar tal estrovenga para falar duas verdades importantes ao Brasil, o que escutaríamos?
 
CPC - Continuar tirando, e com mais pressa, os pobres rumo à classe média; e investir, sempre mais, na educação e cultura. Porque então veríamos como são sublimes os versos de Castro Alves: “Oh! Bendito o que semeia / Livros... Livros à mão cheia... / E manda o povo pensar! / O livro caindo n’alma / É germe – que faz a palma, / É chuva – que faz o mar”. Seria mais ou menos por aí.
 
O TREM - Esta pergunta me foi passada por Tião Lampranha, frequentador do Bar do Tatado, em Itabira: “Por que, podendo viver na bela Fortaleza com aquele marzão e céu estupendos, o senhor optou por morar nessa cidade tão coisa que é São Paulo”?
 
CPC - Saí do Ceará por causa de uma tuberculose que quase me mata. Mas volto à minha terra uma ou duas vezes por ano. Estou em São Paulo desde 1955, mas voltei ao Ceará, creio, umas 80 vezes. Porque todos nós temos um menino, que é a infância, dentro do coração. É aquilo que dizia Manuel Bandeira: “O menino que não quer morrer / Que não morrerá senão comigo...” De sorte que trago o Ceará no coração e me renovo nos meus retornos. Mas uma coisa acrescento: São Paulo deu-me muito. Um abraço humano e metálico aO TREM Itabirano.
 
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*Marcos Caldeira Mendonça, jornalista e editor de "O TREM Itabirano"

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