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Ariel, Borges e a ficção de Cubatão
Página publicada em: 17/03/2008
Alessandro Atanes*
Poesia que transcende à tragédia social
Recebi do escritor Marcelo Ariel um exemplar de seu segundo livro, Tratado dos anjos afogados, que sai pelo selo LetraSelvagem ligado à associação de mesmo nome, criada para promover a linguagem literária para além dos padrões de mercado.
 
O livro reúne poemas escritos nos últimos 20 anos pelo autor cubatense. Ariel é um perigo para os críticos porque é muito fácil colocar nele o rótulo de poeta marginal ou coisa que o valha. Tendo Cubatão como um dos principais motivos de sua obra, então, aí que quase se torna obrigatório falar em denúncia social e coisas do tipo.
 
Por enquanto, não digo nada de novo. Na apresentação de seu primeiro livro, Me enterrem com a minha AR-15 - Scherzo-Rajada (edição artesanal Dulcinéia Caradora, Atibaia, SP, 2007), o poeta e crítico Ademir Demarchi já havia alertado:
 
A literatura que Marcelo Ariel vem escrevendo reflete muito dessa realidade [de Cubatão e das favelas da Baixada Santista], sem cair na mímese do real e crueza de texto do neo-realismo vigente na literatura brasileira contemporânea.
 
No lançamento do Me enterrem... o próprio Marcelo Ariel negou o título de autor marginal: “Eu não acredito em marginalidade. Marginalidade é coisa de Brasília”. Esse neo-realismo a que se refere Demarchi é aquele, mudando das letras para a película, de filmes como Cidade de Deus ou Tropa de Elite. Particularmente, considero um realismo já desgastado.
 
Apesar de Ariel narrar a tragédia de Vila Socó, dos comandos que tomam as favelas, dos massacres dos descartáveis, o real em sua obra é aquele da própria poesia e da literatura, isto é, são as opções estéticas do autor que definem o poema, e não as condições sociais. Exemplo é o trecho a seguir de Caranguejos aplaudem Nagasaki, uma narrativa sobre a noite em que a Vila Socó queimou:
 
Vila Socó
estacionou na História
ao lado de Pompéia, Joelma e Andre Doria
Pensando nisso
ergo neste poema um memorial
para nós mesmos
vítimas do tempo
onde se movimenta a morte se espalhando na paisagem
como o gás
que também incendeia o sol
(bomba de extensão infinita)
 
Em relação aos acidentes e tragédias, os jornais costumam contar os mortos, e essa é sua função. Na poesia de Ariel, a dimensão da tragédia está na sua relação com Pompéia, não com a contabilidade funesta. Outra relação é com A Divina Comédia, de Dante Alighieri, por meio da única personagem do poema que tem nome, Beatriz, o mesmo da amada do autor italiano, transformada em personagem em sua principal obra. É ela que guia Dante pelo Paraíso, mas na obra de Ariel Beatriz está no Inferno da Vila Socó:
 
Corpos em chamas se atiram na lama
mulheres e crianças primeiro
caranguejos aplaudem Nagasaki
bebê de oito meses é defumado
enquanto Beatriz
agora entende o poema derradeiro
Beatriz mãe solteira antes de morrer
deu um inútil pontapé na porta
 
Visitante da Biblioteca Pública de Cubatão desde os nove anos de idade, Ariel chega aos 40 com uma imensa carga poética e literária. As referências a outros autores e obras são contínuas (ainda que não afetem o entendimento de quem não conhece todos ou alguns dos autores citados); muitos autores tornam-se personagens, motivos literários ou indicações para os leitores. Os títulos de alguns poemas nos mostram como isso ocorre: Sonho que sou João Antônio sonhando que sou Fernando Pessoa, Com Miles Davis na Serra do Mar, Rimbaud Rock, No deserto com Paul Bowles, Paul Celan, Tolstoi no motel, Para Nick Drake, Um bilhete de Jane para Bowles, Dostoievski e Tolstoi, Para Gilberto Mendes, João Cabral lendo Orides Fontela e muitos outros.
 
Mas algumas coisas na obra de Marcelo Ariel me fazem lembrar de Jorge Luis Borges. Nos temas, dois são bem óbvios: a profusão de espelhos e de sonhos dentro de sonhos (e não são sonhos também espelhos?). Nos procedimentos, podemos anotar a reescrita, isto é, a mudança do texto entre as edições. O subtítulo do primeiro livro, (Scherzo-Rajada), dá nome à segunda parte do Tratado dos anjos afogados, enquanto Me enterrem com a minha AR-15 e seus poemas, muitos deles alterados, formam a sexta parte do livro.
 
Em Crime, jornalismo e crônica policial, escrevi sobre como o pensador argentino Nestor García Canclini notou que Borges se aproveitava das oportunidades de ser entrevistado para criar ficções. Para ele, uma entrevista era mais um gênero narrativo. Quem conversa com Ariel, acaba com essa mesma sensação, pelo menos é assim que eu fico toda vez que conversamos (e já vão alguns anos). Ariel não se comunica, ou melhor, ele não só se comunica. Expressões como “burocracia-morte”, “açougue-presídio” e “névoa-nada” aparecem em qualquer conversa que tenhamos com Ariel, assim como perguntas do quilate de “É melhor continuar / Sendo o fantasma de um poema ou em um poema?” ou “Eu sou a metáfora de uma galáxia ou a de um átomo?”.
 
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*Alessandro Atanes é jornalista e mestrando em História Social pela Universidade de São Paulo(USP)

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