Resenha publicada em "A Província do Pará", em 26/4/1999
Lendo, com atenção e cuidado, também com satisfação, uma antologia muito interessante de versos que me chega de Mogi das Cruzes, em são Paulo, impresso no fim do ano passado no Rio de Janeiro
Das considerações inominadas ou
Anotações sobre coisas humanas, de Edivaldo de Jesus Teixeira.
Na contracapa, um poema que parece dizer tudo.
Busco nos espelhos a vasta aurora
a branca, a transparente, a outra banda.
Aquela em que o universo se explica
como o abismo onde o vazio se expande.
Há um traço próprio nesse poema, do prosaico ao estritamente poético, na ânsia de evitar o banal, o inútil, o frívolo, e na procura do profundo, do que mergulha no mais secreto e mais íntimo. Um mergulhar que vai fundo cada vez mais.
Busco nos espelhos a outra face
a ilógica, a terrível, a impenetrável.
Aquela em que a morte me acene
e as águas, e o tempo, e o mais que dúctil.
Nada de romantismo, de fantasista, de ilusório. Ao contrário, sinto e pressinto nesses versos a precariedade, todavia o forte da densidade. Romântico, sim, porém na linha da escola alemã que permitiu a um pensador como Walter Benjamin enxergar na poesia uma modalidade específica de auto-conhecimento.
O poema da quarta-capa é cristalino, a meu entender:
Busco nos espelhos a única síntese
a absurda, a imponderável, a espantosa.
Aquela em que os sentidos em seu espesso dia
sangrem como chagas dolorosas
e se estendam até o jardim das utopias.
Não existe algo de Mário Faustino nessas considerações inominadas? No entanto, vê-se que Edivaldo de Jesus Teixeira tem a sua especificidade pessoal, e que suas anotações sobre coisas humanas ganham relevo particular, severas, complexas, de uma riqueza que tem cara e corpo de um poeta outro.
Um poeta que não precisa copiar ninguém e que, a cada verso, define timbre e dicção muito seus, maduramente pensados, fluentemente executados:
Ao sul do meu corpo
passam noites de vício
Ao norte do meu corpo
faz um tempo de sílabas
A leste do meu corpo
há bússolas no domingo
A oeste do meu corpo
jogam búzios no mediterrâneo.
Abre comportas o poeta "às portas do caos" e, no aceso da cidade e da "noite de ferro e luar", o que quer, afinal, é consubstanciar a palavra e tecer, no âmago de si mesmo, o tecido de um fluir vivo que jamais cessa de começar; despidos de todos os disfarces e "as escuras foices da desarmonia" e do ódio "de mãos crispadas". Voltarei a ele a qualquer instante, hei de voltar...
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*Acir Castro é escritor, jornalista e crítico; autor, entre outros, de O detalhe da da forma (Ed.Cejup)