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A cinza dos afogados
Página publicada em: 16/04/2008
Manuel da Costa Pinto*
"Marcelo Ariel, escritor de Cubatão, faz poesia metafísica a partir da periferia" (Texto publicado na "Folha de São Paulo", caderno Ilustrada, seção Livros, coluna Rodapé Literário, 5/4/2008)
Nos últimos anos, surgiram inúmeros artistas oriundos dos espaços sociais conflagrados, periferias e morros. Do movimento hip hop a Paulo Lins e Ferréz, esta produção teve recepção hesitante – como se o fato de representar a voz de quem não tem voz constituísse seu principal mérito.
 
Até um poderoso artefato narrativo como “Cidade de Deus” foi qualificado, na primeira edição, de “romance etnográfico”, forma ambígua de singularizar seu impacto e evitar comparações. Já a poesia não tem o álibi de uma trama costurada ou da denúncia social; seu valor está no corpo a corpo com as palavras.
 
Por isso, tantas antologias de poetas da periferia valem apenas por trazerem poetas da periferia...  E, também por isso, um poeta como Marcelo Ariel, autor de “Tratado dos Anjos Afogados”, deve ser saudado como acontecimento sem precedentes.
 
Não há qualquer condescendência em dizer que esse escritor negro, de 40 anos, mora em Cubatão, na baixada santista, onde vive de um ‘sebo itinerante’. Pois se o livro reúne bom número de poemas sobre chacinas e presídios, o teor testemunhal se conecta a outros martírios e nos restitui ao coração de um fracasso maior, que funda a experiência poética moderna.
 
Na série “Vila Socó: Libertada”, os poemas partem de uma tragédia real – o incêndio provocado na favela de Cubatão por um oleoduto, em 1984 –, mas se transformam em urna funerária na qual os corpos em combustão se juntam às cinzas deixadas na história e na literatura.
 
Assim, em “Caranguejos Aplaudem Nagasaki”, uma Beatriz saída dos círculos infernais de Dante vaga por essas ruínas em chamas, essa Pompéia tropical que é também símile do genocídio nuclear e outros holocaustos.
 
A narrativa de Ariel é ora cinematográfica, ora espasmódica – e sempre saturada de uma erudição selvagem, citando lado a lado Kafka, Cy Twombly, Paul Celan, Cronenberg e Nuno Ramos.
 
Na seção “Scherzo-Rajada” está um poema longo como “O Soco na Névoa” (que começa com a seqüência “Fumando uma idéia/ dentro desse açougue/ metafísico”) e, ao final, poemas em prosa de caráter elegíaco, lamentos pela “nossa presença cada vez mais anulada pela nomeação”. Marcelo Ariel transpira uma autenticidade que nada tem que ver com sua origem social – e sim com o modo como responde ao massacre do mundo efetivo.
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*Manuel da Costa Pinto é crítico e jornalista 

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» António Cabrita

António Cabrita ainda é uma novidade para o público brasileiro, mas não para a crítica do Brasil, que acompanha os passos desse importante e irrequieto escritor português. Adelto Gonçalves, doutor em Literatura Portuguesa pela USP-Universidade de São Paulo, afirmou: “Este português de Almada (1959) foi para Maputo (Moçambique) há poucos anos, numa época em que raros lusos se dispõem a ir para a África e os que de lá retornaram choram até hoje o ‘império colonial derramado’. Não se arrependeu, pois encontrou material, o chamado ‘tecido da vida’, para escrever novas e surpreendentes histórias como estas que o leitor brasileiro tem a oportunidade de conhecer”. E Maurício Melo Júnior, que é escritor, crítico e apresentador do programa Leituras da TV Senado, escreveu a respeito do romance "A Maldição de Ondina", que marca a estreia de António Cabrita no Brasil: “António Cabrita traz a capacidade de domar o espírito aventureiro e conservador de Portugal. E isso é o cerne de nossa alma universal”.

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