O Peregrino
Página publicada em: 30/04/2024
Rogerio Gurapiran - R$60,00 (104 págs.)
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O Peregrino é um texto que nos faz refletir, à luz de uma cosmovisão afro-indígena e brasileira, a necessidade de demover a dura materialidade do passado, com a borduna que brandimos hoje, no presente, diante do monstro invisível do futuro. (Continue lendo o prefácio escrito pelo músico, ator, poeta e pesquisador Elinaldo Nascimento)
Refletir e também agir sobre o nosso próprio reflexo turvo sobre o lago, enquanto Brasil. Sendo aqui fundamental compreendermos o intenso caldeirão cultural, social, político e econômico entre os séculos XVII e XVIII, retratados na peça.
As tensões oriundas do Brasil versus Palmares; o início do Ciclo do Ouro; a reivindicação da (milícia) bandeirante sobre as riquezas do país e a Guerra dos Emboabas, são alguns dos contextos nacionais que vão ressoar em outros acontecimentos históricos importantíssimos logo adiante. Acontecimentos estes, que até hoje reverberam e reabilitam-se em ecos de ações e reações de um povo brasileiro sufocado, mas sempre resistente e sedicioso — ao contrário do que diz o senso comum —, pelos novos modelos de mercado num capitalismo à época em ascensão, estruturado pela mão de obra negra escravizada. E delimitando todos os mínimos contornos das cidades e fronteiras regionais estabelecidas neste território que conhecemos hoje.
O encontro de importantes personagens históricas, com imagens atuais de muitos Brasis impressos em outros corpos, vozes contemporâneas, espíritos, ancestrais, paisagens e gestus, dão a força necessária a essa história e nos faz escavar a matéria-prima da (vã) esperança, nestes recortes de tempo que se encontram quase que num épico diálogo andradiano (referência à obra do dramatrurgo Jorge de Andrade, falecido em 1984, autor de telenovelas, jornalista e escritor brasileiro). Ao mesmo tempo, nos ajuda, com a ácida e habilidosa crítica social do autor, a focar a lente para o agora e pensarmos: quem de nós somos os “emboabas” nesse país que ainda custa a nascer com um projeto de nação? De mesmo modo, esse ser Peregrino, alegorizado na personagem-título, que simboliza em todas as suas contradições um pouco dessa alma brasileira forjada pelas brutais espirais do tempo. Tomemos cuidado. Pois, como assinala o prólogo, “As alegorias são intolerantes, na sua bondade ou na sua maldade”.
Formar um Brasil, passa por reconhecer todas as sete pontas da estrela, na sua história.