Prefácio de "Espelho Provisório", livro de estréia da poeta Olga Savary (1970)
"Voa nuvem Pedro.
— pássaro em seu sono."
Este é um poema de Olga Savary que, ao mesmo tempo, nos dá uma mostra de sua poesia e nos mostra um dos aspectos importantes de sua personalidade de poeta: a necessidade de recuperar a unidade ou de afirmar o real como íntegro. Noutras palavras: ela nos diz que há momentos , coisas ou pessoas, em que a realidade é plena, sem fissuras, sem contradições. No fundo, como todo poeta verdadeiro.
Olga denuncia a alienação de nossa vida: o constante, o dia a dia, é a experiência falhada, a palavra não dita, o momento mal vivido, a falsa existência:
"Esta cidade é muito perigosa
— dizem os cabelos que enxugo na janela enquanto
o riso é solto e o amor retido."
Ela nos parece dizer que a multiplicidade dos fenômenos e das vozes mais encobre que revela a essência real da vida. Por isso mesmo, ela está sempre nos chamando para o silêncio, a quietude, para as coisas que dormem esquecidas ou abandonadas, para o que está aparentemente à margem do mundo. Ela busca, ali, aquela integridade, aquela unidade, que daria sentido à existência. Mas onde encontrá-la realmente se “Nada termina tudo se renova?“ É uma angústia que a dilacera “como uma garra / que fecha e abre dentro da fechada carne “.
É quase o desespero:
"Mas que fazer senão estar acordada na desordem quando não se é mais fera fera fera."
Olga Savary é, assim, uma pessoa que está viva, às voltas com as contradições profundas da existência. E esta é, no meu entender, a marca verdadeira da poesia. Mas deve-se acrescentar que, se é fato que todo poeta está, por natureza, envolto em tais contradições, cada um tem desse envolvimento uma experiência e uma expressão particular, própria. Em Olga Savary, há um misto de explosão e delicadeza, de desatino e recato, como se ela temesse, por falar alto, quebrar o encanto do que vive: seja uma criança, uma lembrança, uma cidade.
A cautela de veludo é a imagem que me fica de sua poesia.
_____________
*Ferreira Gullar é considerado pela crítica como um dos grandes poetas brasileiros, autor, entre outros, de "Poema sujo"