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Um novo olhar sobre a Amazônia
Página publicada em: 29/05/2008
Ronaldo Cagiano*
Romance registra o embate avassalador da tradição e do arcaico com a modernidade, e deixa entrever as mudanças e as repercussões sociais e humanas na vida de um povo que, lenta e dolorosamente, presencia o enxerto das novidades e a amputação de seus costumes (Publicado no jornal "Opção Cultural", 13/07/2003, Goiânia)
Ganhador do Prêmio Lima Barreto-Brasil 500 anos, da União Brasileira de Escritores (UBE) com o romance A espera do nunca mais (Editora Cejup, Belém, 1999, 874 p.), o paraense Nicodemos Sena estreou em alto estilo, demonstrando o vigor e a consciência estética dos veteranos. Sua carreira literária começa calcada em um referencial estético distinto.
 
Nesse caudaloso romance, que faz o meio-termo entre a ficção e a realidade, o autor se esmera numa linguagem que poderia ser caracterizada por alguns como simbólica do regionalismo amazônico, nos moldes de transposição ou releitura roseana da vegetação e dos rios do Norte. No entanto, qualquer rotulação seria imprópria, em razão da particularidade de uma proposta ficcional que tem elementos de saga heróica e de quixotismo, na medida em que explora, numa linguagem tão densa quanto poética, a realidade cabocla da selva, um sertão bastante diferente da crueza e dos sofrimentos de regiões geográficas hostis pelo clima e pela geografia, como aqueles contados por José Lins do Rego, Graciliano Ramos e Guimarães Rosa.
 
Na narrativa de Sena, a linguagem resiste aos conhecidos clichês regionalistas e desloca-se, com especial fluência e jorro imagético, para uma outra realidade fática, em que o discurso desvia-se da retórica limitadora — e muitas vezes pastichizadas — das prosas similares contemporâneas, para projetar um outro sentido, um outro modo de escrever sobre a vida e os costumes da região amazônica.
 
Em A espera do nunca mais não é o raquítico habitante da seca — sempre em fuga, em permanente desacordo com a natureza e em constante êxodo — que está representado neste romance de fôlego. Embora seja outra a gente, os sentimentos que delineiam suas vidas são análogos, porque se aqueles lutam contra a causticante realidade de privações buscando a sobrevivência, aqui, Nicodemos Sena expõe personagens que se debatem contra outras adversidades, na tentativa de sobreviver ao inferno verde, a uma densa e rica massa vegetal que tanto os domina, quanto desperta fascínio.
 
Não obstante a saga ocorrer numa região cobiçada e motivadora de engajamento social, político e ideológico, os personagens desse livro não carregam a limitação de apólogos da luta ecológica ou porta-vozes do ideal de sustentabilidade, que seria natural em obra desse jaez, com o perigo de cair na pieguice sentimentalóide, e aí a literatura estaria em segundo plano, cedendo espaço à sedução da denúncia e descambaria para o enfoque histórico-sociológico. Há uma autonomia, um certo grau de independência da narrativa, que coloca o homem e os obstáculos da vida na floresta como leitmotiv.
 
Ambientando numa época em que a consciência ecológica ainda engatinhava, o romance compreende os anos simbólicos da década de 50 passada, encontra a ditadura militar pós-64 e vai tecendo com habilidade e desenvoltura outras histórias que se interpenetram, vão se amalgamando de uma maneira vertiginosa, num fluxo de consciência e ação, cujos protagonistas fazem, na verdade, uma interpretação do modus vivendi e das condições numa região em que a pobreza não é tão contrastante com o fausto e a riqueza dos bens e belezas naturais.
 
O que sobressai é o contraponto entre culturas e valores. E numa época de transformações velozes, os diversos agentes da história local se confrontam, motivados pela urgência de uma sociedade em franco processo de evolução, sobretudo com os tentáculos de uma nova era — a industrial e a eletrônica — provocando um escalonamento brutal de valores. O caboclo, o índio, o homem branco, o extrativista se vêem, lentamente, cooptados pelos novos tempos e aí se firma um embate avassalador da tradição e do arcaico com a modernidade e as mudanças. O autor registra essa metamorfose, deixando entrever as repercussões sociais e humanas na vida de um povo que, lenta e dolorosamente, presencia o enxerto das novidades e a amputação de seus costumes. Traduz, às vezes com a tinta da fantasia e do supra-real, um ambiente monumental, uma atmosfera mítica e exponencialmente perturbadora, porque retrato do homem em sua relação com seu mundo e suas transformações.
 
Nessa história de citações belíssimas, poéticas e vertiginosamente realistas da Amazônia, personagens como Gedeão e Diana traduzem fielmente essa geografia humana e social com seus instigantes processos de relação. Diante de uma paisagem que condensa mistérios arrebatadores, o homem cria seus mundos e neles projeta-se oniricamente, expande fabulosamente seus desejos materiais e afetivos.
 
A Região Norte continua intocada em muitos pontos, mas o homem continua a abrir feridas na selva. Há muito espaço para conhecer essa realidade marcada de nuances e misticismo. Muitos têm tentado interpretar esse povo e sua região, como Márcio Souza, Dalcídio Jurandir, Thiago de Melo e Ferreira de Castro, que nos legaram obras antológicas sobre a região. Sem demérito para eles, creio que Nicodemos Sena ousou na força da linguagem e no desenrolar das tramas, com isso pretendeu (e alcançou sobejamente) formular um diálogo com a natureza desafiadora de uma região muito explorada (e agredida) pelo homem e pouco visitada pela literatura. O autor abriu mais uma picada, numa perspectiva reflexiva e conceitual sobre a realidade dos habitantes amazônicos, ajudando-nos a desvendá-la e repensá-la, dentro de uma preocupação humanista e sob um prisma questionador e filosófico, sem, contudo, cair no desbunde alucinatório e exacerbado das lendas nem deixar-se conduzir pelos estereótipos de um regionalismo mascarado.
 
_________________
*RONALDO CAGIANO é escritor mineiro radicado em São Paulo; autor, entre outros, de Canção dentro da noite

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» António Cabrita

António Cabrita ainda é uma novidade para o público brasileiro, mas não para a crítica do Brasil, que acompanha os passos desse importante e irrequieto escritor português. Adelto Gonçalves, doutor em Literatura Portuguesa pela USP-Universidade de São Paulo, afirmou: “Este português de Almada (1959) foi para Maputo (Moçambique) há poucos anos, numa época em que raros lusos se dispõem a ir para a África e os que de lá retornaram choram até hoje o ‘império colonial derramado’. Não se arrependeu, pois encontrou material, o chamado ‘tecido da vida’, para escrever novas e surpreendentes histórias como estas que o leitor brasileiro tem a oportunidade de conhecer”. E Maurício Melo Júnior, que é escritor, crítico e apresentador do programa Leituras da TV Senado, escreveu a respeito do romance "A Maldição de Ondina", que marca a estreia de António Cabrita no Brasil: “António Cabrita traz a capacidade de domar o espírito aventureiro e conservador de Portugal. E isso é o cerne de nossa alma universal”.

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